quarta-feira, 23 de março de 2011

O poder de sonhar

Quisera estar contigo; não posso.
A vida me chama para os seus negócios;
Somos sócios.
Quisera estar contigo, ter um tempo só nosso;
Não posso.
Quisera deitar contigo e sonhar com nosso filho,
Seu sorriso e seus pensamentos;
Não posso sonhar; não posso.

terça-feira, 22 de março de 2011

A MARIA

Se eu a conhecesse a desejaria
E se a desejasse, sofreria.
Se sofresse a amaria
E se a amasse jamais a teria.
Talvez ela me espere
Ou espere ainda que algo aconteça.
Se ela me amasse, me acalmaria.
Se eu a amasse acalmaria o mundo.

Por que amar o próximo

Por que amar um poeta do passado
- Por maior que tenha sido -
Se posso guardar este amor
para um maior que está vindo?
Por que me preocupar com este planeta
- Tão degradado pelas nossas próprias mãos -
Se há outros ao alcance da nossa destruição?
Por que amar o próximo
Se posso amar alguém de outra galáxia
Em outras eras, de outras formas?

O poeta e o editor

Pessoalmente se apresenta
Indiferente se despede
A sala que o esperava
Agora está muda e quieta.
Entrou pela porta o poeta
Saiu pela janela uma flecha.
O que disse o editor
O que ouviu o autor
Atrás daquela porta
Com aquelas janelas ouvindo
Com aquela mesa intervindo?
Com as provas na mão o revisor
Apoderara-se de um verso ilegível
De que o poeta não quis saber.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Metalugar

onde eu ponho um ponto não ponho uma vírgula;
onde eu exclamo não interrogo!?
onde eu fico de través não atravesso –
onde eu pontuo não finalizo.
onde eu falho não sinalizo.
onde eu tropeço ponho vírgulas,
onde eu hesito, também,
mas quando tenho êxito, não.
quando eu vejo já está escrito,
já estou pronto.
quando eu falho eu risco.
só ponho imaginação e publico.
se demoro eu viro a página.
eu viro livro, inanimado.
se sobrevenho eu sublinho.
se cito Dante, se cito Castro Alves.
se escrevo eu assino.
se mato eu escondo, mas se vivo
a moita se mexe, se move, vira sarça e arde.
se palavras postas uma após outras são assim.
se abro um (parêntese é porque pensei em outra coisa).
se fecho é porque esqueci.
se escrevo números é porque são sempre sete, doze, três.
se chego a chamar de versos o que são feridas.
a superfície onde escrevo não é maleável.
o terreno é de pedras – duro, sobrevivo.
não há poesia neste canto.
existo, logo penso acabar.
onde penso acabar.
onde colocar um ponto.
o mais ou uma cruz:
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Minha vida (pensada) de escritor

Bom: pra começar eu não tenho vida de escritor. Vivo numa casa abandonada por mim, e antes por mulher e filhos. Quanto a minha vida de poeta, nunca passou de anônima. Escrevo muito e nem eu mesmo me leio. E ultimamente dei pra achar bom demais tudo que escrevo - um risco. Já me considerei um bom leitor, hoje me considero preguiçoso. Culpa do século que, antes do livro impresso, me dá as opções de passar os olhos pela Internet, ver um filme, ouvir uma música no mp3, ver uma partida de futebol na tevê, uma mesa-redonda, ou uma série cheia de recursos especiais, ou um bom documentário, uma boa entrevista, ou atualizar uma rede social qualquer, ou ainda a melhor de todas - ouvir rádio. Então abandono o pobre Quixote no meio de uma aventura, largo no fundo do Inferno um inconsolável Dante, aceno para Shakespeare com o lenço de Desdêmona, irrito-me com um Machado casmurro no metrô e deixo-o falando sozinho. Não é para tanto? E se hollywoodianamente Riobaldo se casasse com Diadorim no final do Grande Sertão? Bom, como Riobaldo, também tenho meus pensamentos, caros a mim, que aos outros não dizem bulhufas. Minha vida (pensada) de escritor. Penso no Machado poeta e me comparo a ele. Gostaria que as minhas Americanas também fossem um salto para algo maior. Escrever prosa. O Rosa também optou por uma prosa poética ou uma poesia em prosa. Mas quem sou eu? Um poeta anônimo, um pai sem causa, um filho perdido e amante quanto-mais¹. E ainda por cima um poeta obcecado por outros poetas, pelo Último Poema, pelo Lutador², pelo Romanceiro, pelo Barco Bêbedo. Sou um autor  anônimo, e não dos mais famosos. Obcecado por idéias, por versos, pela vida romanesca dos poetas e pela idílica vida dos escritores. Já me imaginei um Fernando Sabino morando numa Ipanema de um Rio de Janeiro. Já me imaginei andando pelas ruas de outro Rio de Janeiro do século machadiano. Eu não me pertenço. Não pertenço a este tempo. Talvez daqui algum tempo, digamos cem anos à frente, eu comece a pertencer à cidade, às ruas, aos bares, aos transeuntes, a um esquecimento de mim mesmo que hoje apenas ensaio. E nos olhos do meu filho talvez eu viva. Nas páginas do meu livro. Atrás das letras do meu nome. Finalmente autor. Autor destes pensamentos que tive, que alguém tem, autor destas linhas que escrevo e leio, ao mesmo tempo que penso. Autor de mim mesmo.

¹Quase dez anos depois de escrever isto, não sei o que seria um 'amante quanto-mais'.
²Idem para a referência a esse 'Lutador'. Seria o das palavras, do Drummond?

domingo, 14 de novembro de 2010

A poesia me visita

Você já passou por isso? Você tem um compromisso qualquer, um trabalho, uma prova, cinema, futebol, banco, qualquer coisa, e na hora de sair algo te chama para outro lugar - no meu caso, a poesia. E ela é assim, não tem hora pra chegar nem pra ir embora, como uma visita de quem gostamos e não conseguimos lhe falar que temos que sair, temos prova hoje, ou o banco vai fechar, preciso ir, você se importa? E a poesia se importa. Ela diz: Não sei quando posso voltar; Não vai, não; Vamos ficar; Ou vamos sair; A vida é curta; Aproveitemo-la; Qual compromisso! Compromisso temos nós dois, seu maganão!