quarta-feira, 14 de abril de 2010

HISTÓRIAS DE AMOR COMIGO

As minhas primeiras namoradas foram três ao mesmo tempo, quando eu tinha seis anos. E elas eram mais ou menos da minha idade, com diferença talvez de uns dois anos, para a mais velha. E o que nos ligava era ao mesmo tempo o que devia nos separar, a tensão de eu ser um para três e não eleger uma predileta. E este ciúme entre elas de mim criava também uma expectativa para ver, no final, com qual das três eu ficaria. Decisão esta que eu não queria tomar, e que não tomei até hoje. Eu gostava das três ao seu tempo. Minto. Gostava mais da Sueli, por que, eu não sei. Ela era a mais bonita? Era muito branca e muito magra. Mas tinha algo mais. Tinha uma alma feminina, no corpo de uma criança, que precisava já, naquele tempo, ser amada como uma mulher por um homem. A segunda na minha preferência era a Léia. Esta já me apontava para a vida prática - casamento, filhos, trabalho. Seria a mulher com quem eu conversaria ao jantar todas as noites sobre como a vida flui naturalmente. E riríamos de nós, e riríamos dos outros e seríamos felizes naturalmente. E a terceira nesta ordem seria a Preta. Com a Preta acho que não teria pouso neste mundo, não teria endereço fixo, seríamos andarilhos, aventureiros, carregaríamos nosso único filho como as mães-cangurus carregam os seus. Seríamos hippies, talvez, usaríamos cabelos longos e tatuagens e o som de nossas vidas seria o rock. Não, a Preta era bonita e talvez eu a tivesse matado por ciúmes pouco tempo depois de me decidir por ficar com ela. A paisagem destes amores era rural, e brincávamos de casinha, marido-e-mulher, e a parede de nossa casa eram bambus, e lembro vagamente que, na hora da distribuição dos papéis, sempre que uma delas se autonomeava minha mulher, as outras se recusavam a fazer os papéis de filha ou qualquer outro e saíam da brincadeira e era quando papai-e-mamãe ficavam à vontade pra namorar nos mais inocentes beijos e abraços que a lembrança de um homem maduro pode trazer do seu passado azul-bebê.

E o que teria acontecido aos meus três primeiros amores ao mesmo tempo? Teriam se casado, tiveram filhos e já caminham para ser avós? Nada disto. Elas estão bem aqui, na minha frente, na sua frente, e não envelheceram um único ano, têm ambas as três ainda seis, sete e oito anos e me amam do fundo do coração sem se decidir em deixar o caminho livre pras outras nem eu a me decidir por ficar, de vez, com uma das três. Por amá-las demais cada uma de um jeito e sentindo-me amado triplamente.


quarta-feira, 7 de abril de 2010

UMA COISA EXTRAORDINÁRIA E TERRÍVEL



O ato de escrever tem em si um pouco da idéia ou sentimento de como a vida começou, o início, a origem. Tanto a versão bíblica quanto a da ciência determinam um ponto de partida – no início era a escuridão ou era o caos. Escrever então não começa na primeira letra aí em cima, no início do parágrafo, arrastando a primeira palavra e com ela as outras. Também no ato de escrever há um momento antes da luz ou de uma explosão. E é este estado anterior ao gesto que faz toda a diferença.
Se eu estava pensando, após ficar dois dias reclusos em casa, e ao sair, como é bom reconhecer a minha cidade, meus conhecidos, como é bom reconhecer o casario e ser reconhecido por ele, - se eu pensava assim antes de sentar para escrever e se eu pensei agora que sentar para escrever é um lugar-comum, para logo responder a mim mesmo que ninguém escreve em pé, mas por que não? Talvez sim. Talvez eu escreva para assentar as idéias, mas aí seria um jogo de idéias ou de palavras. E seria verdade também que neste momento eu já estaria escrevendo sem ao menos me dar conta disso – como quando a gente nasce, alguém se dá conta? Poxa, uma imagem mais bonita ainda: e se a gente se desse conta no exato momento em que fôssemos fecundados? Quando ainda não tivéssemos dois braços ou duas pernas mas tão-somente duas células? Este seria realmente o nosso marco inicial? E se, como idéias, teoria ou sonho, já existíssemos na cabeça e no coração de nossa mãe? Você está entendendo aonde eu quero chegar? Onde começamos. No ato de escrever. Que também, como nós, tem um começo indeterminado mas que precisa ser continuado.
Machado de Assis um dia escreveu que o pior que pode nos acontecer é nascer. Millôr Fernandes também já escreveu este dístico filosófico: Quem começa, já fez. Fernando Sabino também já disse que escrever é fácil: é só olhar fixamente para a página em branco até suar sangue. Então, meu amigo, se for escrever, não pegue o assunto do momento, não escolha várias pautas, não fale sobre o que você domina nem sobre o que domina você (sobretudo não faça jogo de palavras nem ponha as palavras em jogo, ou em jugo, nem tampouco salpique seu texto com parêntesis explicativos num dos quais você pode correr o risco de, se estendendo, ficar pensando que escreve a palavra tampouco lendo-a como tãopouco) e jamais, ao fechar um parêntese, deixe aquela idéia anterior a ele órfã.
Órfã é só uma palavra mas repare que nela o erre, o efe e o a estão de mãos dadas e é o ó, menino de topete, o órfão que quer entrar para esta família, em que a mãe r seria Rosa, o pai f, Fernando, e a menina ã Aninha. Repare então na palavra órfão. O menino, Otavinho, já foi aceito na família que o adotou, e agora é o seu irmãozinho, também órfão, que quer entrar pra família. Será que este outro menino também fará parte desta boa família?
E é aqui que eu deixo você: o que é, exatamente, quem escreve? Se ele é o autor, o criador, é ele quem dá vida a personagens, a idéias que parecem ter nascido da sua cabeça, isto sim, pois você concorda com tudo, ou antes, ele fez você pensar junto com ele, ou pior, tirou os pensamentos, a fórceps, do seu espírito. Mas e se ele não for nada disso? E se ele titubear como você, e se ele consultar dicionários e o Google, se ele não usar uma palavra correta só porque a acha feia? E se ele sentir fome enquanto escreve, ou sede, medo ou solidão? E se ele de repente se pergunta para quem está escrevendo? E se ele souber exatamente pra quem, pra você? Que coisa extraordinária, ou terrível.